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segunda-feira, 28 de novembro de 2022

A PARTIDA - Por José Reitor Rizzardi

A crônica abaixo foi escrita em 2015 pelo nosso querido jogador José Reitor, que ainda tem muitas histórias pra contar. Aqui, ele conta a história que girou em torno de seu confronto com o lendário GM Henrique Mecking nos Johos Abertos de 2007, em Praia Grande. Avaré estava defendendo seu título.

A Partida


por José Reitor Rizzardi


 Depois de um ano de muitas viagens pelo Brasil afora, de Catende (PE) a Canguçu (RS), resolvi me dar uma semana de “folga” na praia.  Esta era a idéia quando me programei para participar dos Jogos Abertos do Interior em Praia Grande, onde minha equipe, “Avaré”, defenderia o título conquistado em 2006, em São Bernardo do Campo.

Em princípio me imaginei atuando em algumas partidas, revezando com o companheiro Kaio Fragoso, no 4º tabuleiro, porém, chegando em Praia Grande, depois de 7 horas de viagem, fui informado que um de nossos melhores jogadores, o amigo Sady, estava enfermo e não viria para os jogos, em conseqüência nosso capitão Cláudio Yamaia me informou que estava me lançando às feras, para ser devorado no 1º tabuleiro, e mais, a primeira rodada se iniciaria em 15 minutos e, de quebra, enfrentaria minha cidade natal, Bragança Paulista (primeiro golpe psicológico).

Peço desculpa a meu novo amigo e falso conterrâneo (ele me informou que é natural de São Carlos) José Sampaio, mas deixarei para comentar nossa partida numa outra oportunidade, pois agora quero me dedicar a narrar uma experiência que poucos Kapivaras (com K maiúsculo) como eu,  têm na vida, a gloria de enfrentar o maior jogador de xadrez brasileiro de todos os tempos, mesmo respeitando opiniões contrarias de muitos mestres atuais. Como podemos ver, tudo na vida tem seu lado “bom”, se é que podemos considerar uma “quase inevitável” derrota, mesmo sendo para um mito, como uma coisa boa.

A verdade é que há 31 anos atrás, eu sofria acompanhando seu match contra Polugaevsky.  Me recordo  que, diariamente, corria à banca para comprar o Jornal da Tarde e reproduzir sua partida, chegando ao desespero quando a partida era suspensa e tinha que aguardar o dia seguinte pra ver que minhas “análises”, que o levariam a vitória, estavam totalmente furadas (já naquela época eu era muito ruim de cálculo). Naquela época jamais me passou pela cabeça a hipótese de um dia estar frente a frente com ele num tabuleiro, jogando uma partida oficial.

Na manha de 23 de outubro de 2007, ao consultar o Boletim dos Jogos, fiquei sabendo que enfrentaríamos Taubaté e, conseqüentemente, me caberia enfrentar, no 1º tabuleiro, a lenda viva Henrique da Costa Mecking, o Mequinho, ato contínuo, senti meu coração na boca, não sei se por medo, por emoção, ou apenas por ter esquecido de tomar o comprimido de Atenolol (é amigos, 51 anos pesam), o fato é que a vida estava me dando a oportunidade que muitos desejam ter.

O tempo passa e as prioridades mudam, se me perguntassem há trinta anos as linhas que meu “adversário” joga, certamente responderia instantaneamente, porém hoje só jogo xadrez postal e “participo” dos Regionais e Abertos do Interior de São Paulo, mas tinha no fundo da memória que ainda me resta que ele gostava da Indo Benoni que, confesso, não me é “familiar”.  Comentando o fato com meu amigo Rodolfo Polônio ele me tranqüilizou pois, contra esta variante tinha um brilhante “8-h3!!”, que me deixaria muito bem, porém, pelo que ele tem visto, certamente ele não jogaria uma Benoni, mas sim uma Eslava. Pronto, e agora?, voltei na estaca zero.  Quer saber, de nada adianta “perder tempo” sofrendo e imaginando o que ele usaria pra me “triturar”, melhor seria me preocupar em registrar o momento pra um dia poder contar pra minha netinha Ana Laura, que, com 1 ano e 3 meses já está “jogando” xadrez (vocês precisam ver, seus “lançamentos” já me causam grandes “problemas” pra encontrar todas as peças e montar a posição inicial).

Chegando ao local da partida, na entrada encontrei meu amigo Sampaio que me perguntou:

-“E aí Rizzardi (em Bragança meus familiares me chamam de Zé, pra não confundir com meu pai Reitor, que Deus levou há pouco mais de um ano, na escola, trabalho, meus amigos e familiares de Avaré me chamam de Reitor, os amigos do xadrez me chamam de Rizzardi), o que preparou pra jogar com o Mequinho?”

Respondi na lata e na linguagem cinquentona : A máquina fotográfica (na verdade uma moderna Câmera Digital do amigo Kaio).

Ele insistiu:

“Não, você precisa aproveitar a oportunidade e tentar surpreendê-lo, ele gosta da Indo Benoni (opa, parece que eu estava certo), mas é Indo Benoni”, enfatizou.

Aí eu relatei que tinha sido informado que ele estaria jogando a Eslava, ao que meu amigo atirou: “Se ele fizer a Eslava, manda uma Caro Kan nele”.  Confesso que nunca tinha me ocorrido esta possibilidade, talvez por usá-la com as negras e considerar uma boa arma contra 1.e4, meu subconsciente bloqueava a idéia, mas prometo experimentar em breve.


Bom, deixando o papo de lado, vamos a partida, não sem antes mencionar, que autorizado o início da rodada com o famoso “o condutor das pretas podem acionar o relógio”, meu adversário ainda não havia aparecido, portanto, meu primeiro pensamento foi: teria ele “tremido” nas bases e “amarelado”?  Para meu desapontamento, tão logo o arbitro acionou o relógio por ele, eis que surge adentrando apressadamente o salão.

 


1.d4; Cf6 (Opa, escapei da Eslava!) 2.c4; g6 (Será que vai jogar uma India do Rei ou quer me confundir a jogar a Indo Benoni por transposição?) 3.Cc3; d5 (Nossa !!!, isto eu não esperava mesmo, a última partida dele que conheço, jogando a Grünfeld, foi em 1992 contra Seirawan, em São Paulo, aliás foram 3 partidas, ele perdeu na 1ª rodada e empatou nas 3ª e 5ª, só que Seirawan usou a linha 8.Cf3, que confesso nunca utilizei, portanto, e agora José?) 4.cd5; Cd5  5.e4; Cc3 6.bc3 Bg7 (confesso que me surpreendi com a escolha dele, outros mestres também, me confessaram, até agora ele não gastou tempo, apenas o que resultou do acionamento do relógio pelo arbitro, já eu, ficava buscando no fundo da memória algo pra tentar, de alguma forma, surpreendê-lo e, completei 15 minutos para concluir meu próximo lance) 7.Bc4 c5 8.Ce2 Cc6 9.Be3 0-0 10.0-0 cd4 11.cd4 Bg4 12.f3 Ca5 (e agora, que faço com meu bispo? Tomo em f7 (variante Sevilha)? Não isto foi muito estudado. 13.Bd5 foi jogado contra ele em 1976 por Browne e o resultado foi 0-1, também Polugaevsky jogou no match de 1977 e o resultado foi ½, então, só me restou ....) 13.Bd3 (e la se foram mais alguns minutinhos preciosos) Be6 (eu já havia gasto 30 minutos e ele 5, o que me fez concluir que ele estava me levando pra onde queria, então me decidi: como não é todo dia que um Kapi enfrenta um GM, não posso desperdiçar  a oportunidade de um belo sacrifício, mesmo que seja teórico)14.d5 Ba1 15.Da1 f6 (pelo menos ele pensou um pouco 35 minutos a 15. Nesta altura me lembrei de uma partida postal que joguei há mais de 15 anos contra o saudoso Paulo Guimarães, não sei se ainda a tenho, “arquivada” em alguma gaveta, mas depois de 16.Bh6 e algumas imprecisões das negras ele teve que devolver a qualidade, com o que acabou perdendo a partida. Ainda me recordo de seu espirituoso comentário :“Estou me sentindo como aqueles bandidos do velho oeste que, após assaltar a diligência e se perder no deserto, para salvar meu pangaré tenho que ir deixando o produto do roubo pelo caminho”, hoje, porém as negras encontraram novos caminhos.  Assim, decidi por me afastar um pouco das linhas principais e usar uma linha que um adversário usou contra mim algum tempo atrás numa partida de diversão (3 minutos) no Buho21) 16.Dd4 (Nas análises etílicas da equipe, feita na “concentração” da esquina do alojamento, ao indagar “onde foi que errei”?, meus amigos disseram que foi neste lance, mas eu acho que ele não esperava por ele e, após pensar um pouco mais, enquanto eu ia ao toalete, o que aliás, como Kranminik, vou muitas vezes em razão da diabetes, ele jogou...) ...Bd7 17.Bh6 ?! (como estava com a partida Topalov x Shirov,  Wijk aan Zee 2007, na cabeça, nem me dei conta de que ele hão jogou o Bispo pra f7 e fiz meu lance automaticamente.Na mencionada partida  os GMs jogaram assim 17...Bf7 18.Bh6 Te8 19.Bb5 e5 20.Df2 Te7 21.f4 ef4 22.Df4 Db6+ 23.Rh1 Bd5, e 1-0 em 41 lances.  Pode ser que tenha perdido minha oportunidade de ouro de, pelo menos, continuar sonhando com uma vitória contra um GM, contra 16....Bd7 a Eco menciona apenas 17.Cf4 b6  18.Bd2 Dc7 19.Db4 Dd6 20.Ba6 Bc8 21.Db5 Ba6 22.Da6 Tfc8 23.Ce6, avaliando que há compensação pela qualidade, mas não estou bem certo disso, o melhor, e que conta com o aval do companheiro de equipe MF Luis Rodi é 17.e5!!, seguindo 17.....Db8 , de outra forma 18.Bd4 parece fortíssimo, 18.De7 Te8 19.Dc5 b6 20.Dc1 e aqui temos os seguintes precedentes: 20... Dc8 21.Dd2 Cc4 22.Bc4 Dc4 23.Tc1 Dh4 24.Bf2 (Cg3!?) Df6 e o peão passado de d5 deve, no mínimo garantir a igualdade, como foi jogado em Van Wely – Mikhalevski  “1/2” em 65 lances, ou 20....De5 21.Bd4 Dd5 22.Dh6 Df7 23.Cf4 Df8 =  Mikhalevski – Sutovsky, ou  20...Dd6 21.Bd4 Tac8?! 22.Dh6 com vantagem Nielsen – Holzke. Voltando à minha agonia, só me dei conta da besteira quando ele efetuou seu lance 17.)17.....Tf7 18.e5 (Depois do relógio marcar 55 minutos e já tendo percebido a besteira do lance 17, nem avaliei a possibilidade de voltar o Bispo, que talvez fosse a melhor opção, porém, uma tremenda derrota moral, alem de que, como bom Kapivara fiz a seguinte avaliação da posição: “Com aquele Cavalo cercado em a5 e a Torre sem jogar em a8, tenho que atacar”, e assim o fiz, para minha desgraça) 18... fe5  19.De5 (Aos olhos de um bom Kapi, a posição das Brancas é perfeita, esta impressão, e o fato do Mestre demorar nada menos que 37 minutos analisando, tempo suficiente para eu ir mais duas vezes ao toalete e ouvir o murmurinho nos corredores, “o Mequinho ta perdido pro cara de Avaré”. No meu segundo retorno  à mesa, e com a demora dele pra jogar, também comecei a acreditar que estava ganho, e ai, como bom Kapi, comecei a preparar a “combinação da minha vida”, com a seguinte avaliação: Bom ele deve estar com dificuldades pra resolver a situação daquele cavalão empacado em a5, isto me deve dar tempo de jogar o mortal “Cf4”, e assim foi) 19....Tc8 20.Cf4 (Nesta altura ambos estávamos pendurado no relógio pra completar os 23 lances do primeiro controle, mas eu estava confiante na minha brilhante combinação. Como todo Kapi também tenho a mania de, nos meus cálculos, considerar que o lance que previ para o adversário é o único, porém depois da derrota vejo que na verdade era o único que perdia, por esta razão ele, evidentemente, não faz. Aqui eu analisei 20.....b6, pra dar uma casinha pro cavalo!!! e, logicamente, pra minha combinação ficar perfeita, tirar o cheque de Dama em b6, e então o gran finale 21.Cg6!!!! Mas para meu desgosto)  20....Cc4 (E o castelo desmoronou!! Talvez ainda pudesse resistir um pouco mais com 21.Dd4, mas a frustração e o aperto no relógio, que pode ser visto no YouTube com o títuto “Reitor x Mequinho”, acabei facilitando as coisas pra ele, com o seguinte desfecho) 21.Bc4 Tc4 22.Ce6 Db6+ 23.Rh1 Dd6 24.Dd6 ed6 25.Cd8 Tf5 – Ab 0-1.

Dessa experiência tiro a seguinte lição: na vida devemos estar sempre preparados pra tudo. Meu novo amigo Sampaio tem razão, devia ter preparado uma linha pra jogar contra o Mestre, só não concordo que seja de improviso. Como não imaginava que jogaria no tabuleiro 1, não levei a serio minha preparação, nem mesmo uns probleminhas de saúde servem de desculpa. Se tivesse usado o material que recebi do companheiro Rodi com mais seriedade, talvez tivesse melhor sorte.

Amigos eu prometo: da próxima vez vou preparar alguma coisa, uma Trompovisk talvez!!, mesmo que seja pra jogar no 4, quem sabe se ele, por estratégia da equipe, não desça pro 4º tabuleiro, nunca sabemos o que a vida nos reserva.

De bom guardo as fotos e o vídeo que o amigo Kaio fez, além, é claro, da planilha assinada pelo Mequinho, que um dia chegou a ser o terceiro melhor do mundo. Vou emoldurá-la e guardar pra minha netinha, para quando ela já estiver compreendendo melhor o significado da vida, e, em vez de lançamento estiver efetuando lances com minhas peças de xadrez. Quem sabe ela além de mostrar pra suas amigas possa usá-la como instrumento de intimidação contra suas futuras adversárias. 

Nota do webmaster: Passados cerca de sete anos dessa crônica, a neta do autor optou por não seguir os passos do avô e não joga xadrez.


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